Dizem que uma das características que diferencia o brasileiro de outros povos é sua capacidade de cair e se levantar, e, principalmente, de rir da própria desgraça. O livro do Mouzar Benedito
1968... por aí Memórias burlescas da Ditadura (Ed. Publisher) é uma prova disso. Em 1968 ele estudava Geografia na USP e morava no Crusp, que foi invadido pela polícia, logo após a decretação do AI-5. As histórias registradas no livro - de 1964 a 1985 - são hilárias e ao mesmo tempo representam um resgate histórico feito por quem viveu aquele momento sombrio da nossa história. Ali é possível entender a sequência dos acontecimentos e o envolvimento de estudantes, trabalhadores e do povo no combate à ditadura.
Entre as histórias contadas pelo Mouzar, estão as dos livros confiscados no Crusp pelos agentes do regime militar. O primeiro lembrado é um livro de um dos estudantes de engenharia hidráulica cujo título foi considerado bastante subversivo:
Bombas hidráulicas. Outro livro apreendido, foi
A Capital, assim mesmo
A Capital. Para os agentes,
A Capital de Eça de Queiroz e
O Capital de Karl Marx, davam na mesma.
Mas Mouzar não se limita ao ano de 1968. Ele passa pelo período mais crítico, pela Anistia e pela volta dos exilados, conta causos nas redações dos jornais
Versus e
Pasquim, e chega aos anos 1980.
Recolhi esta parte do capítulo "
Versus um jornal de aventura e cultura", para mostrar como na época alguns jornalistas se dedicavam à profissão.
"
Cheirinho bomÉramos tão apaixonados pelo jornal [
Versus] que queríamos vê-lo pronto logo que saía da gráfica. E isso acontecia sempre de madrugada, horário em que as máquinas ficariam ociosas e a impressão era mais barata.
Lembro-me de uma época em que o
Versus era impresso na gráfica do
São Paulo Shimbum, um jornal japonês com sede na Baixada do Glicério, área decadente da região central de São Paulo.
Três horas da manhã, ficávamos aquele bando de jornalistas esperando o jornal ser impresso. Na hora que entrava na gráfica, ficávamos no lugar onde ele saía, pegávamos o primeiro exemplar que saía das máquinas e o olhávamos como um filho recém-nascido, cheirávamos o jornal, nos comovíamos. Gostávamos demais do resultado do nosso trabalho."