quarta-feira, 22 de julho de 2009

Lúcio Flávio Pinto: a voz castigada da Amazônia

Conheci o Lúcio Flávio na década de 1980, quando engrossei o movimento de defesa da democratização dos meios de comunicação. De lá pra cá, volta e meia, recebia a notícia de que um novo processo estava sendo movido contra ele. Ele é a voz viva da Amazônia. Faz jornalismo de verdade e quando faz isso, bate de frente com os que detém o poder.

Na semana passada ele foi condenado numa das quatro ações movidas pelos donos do grupo O Liberal, do Pará. Condenado, não pode sair do estado para participar do 4º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, onde seria homenageado. O texto abaixo é um extrato do que foi lido por seu filho na abertura do evento. Quem quiser ler o texto todo, pode acessar o site da Adital (Agência de Informação Frei Tito para América Latina)

"...

Sei que o que vi e sobre o que escrevi é a própria história em processo, uma história como poucas houve e, espero, poucas voltarão a se repetir, com suas cores dramáticas e infamantes. Com os olhos de um adolescente de 16 anos, vi cientistas de todo mundo reunidos em Belém, no centenário da mais antiga instituição de pesquisa regional, o Museu Paraense Emílio Goeldi. Percebi então que a Amazônia á uma questão planetária, que, para o bem e para o mal, não pode ser tirada desse âmbito mais amplo. Aos 18 anos, fiz a primeira viagem à Serra dos Carajás, que se constituiria a maior província mineral do mundo.

Aprendi que a riqueza do subsolo da Amazônia lhe impõe este como o primeiro desafio de inserção global. Conheci muitos bravos personagens da história amazônica que perderam seu papel nesse drama por terem sido assassinados, como Chico Mendes, Gringo e centenas de cidadãos esmagados pelo trator da história oficial. Fui testemunha, às vezes solitária, de acontecimentos únicos, como o ingresso, no rio Jari, da fábrica e da termelétrica trazidas do Japão pelo milionário americano Daniel Ludwig, com quem tercei armas. Fui alvo de ameaças e vítima de agressões. Aos poucos, minha indignação foi crescendo e meu desejo de intervir nessa realidade extrapolou limitações. Não só escrevia, em todos os lugares que se me oferecessem. Também bradava aos quatro ventos, num circuito de palestras dentro e fora do Brasil que se expandiu em espirais.

Tanto escrevi e tanto disse que meu texto se tornou lido e minha voz, ouvida. Passei a incomodar, acho que em especial porque a força da minha indignação não alterou o meu compromisso com a verdade, no desempenho técnico da minha função de reportador dos fatos, escrivão do cotidiano. Era tão incômodo ouvir o que eu dizia quanto difícil desmentir o que eu divulgava. Cometi o pecado mortal de incomodar os manipuladores da verdade e os donos do poder. Não por mera coincidência, em plena democracia, me tornei um dos jornalistas mais processados e condenados, principalmente por outros cidadãos que alegam intimidade com o jornalismo, já que possuem empresa jornalística. Com o toque sugestivamente kafkiano de que, queixando-se de serem vítimas de minhas inverdades, não utilizam seu enorme poder de comunicação para contrapor a elas suas verdades, em debate público. Pelo contrário, fazem da técnica do silêncio, combinada com a utilização do maleável poder judiciário, enquanto força pretoriana a serviço dos seus objetivos e caprichos, o instrumento para me esmagar e destruir."

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