domingo, 8 de agosto de 2010

Saudades do meu velhinho




A vizinhança passava e cumprimentava calorosamente. Essa cena se repetia durante a tarde toda na frente da casa do meu pai, no bairro da Saúde, onde ele ficava arrumando caixas, pregos, papelão e outras coisas que juntava pra fazer um troco extra pra família. Quando comprou a casa onde viveu até morrer, pensaram que tinha ficado louco. Hoje a casa está entre o metrô e o Shopping Plaza Sul, mas na época, só existia uma capela e umas 4 casas no meio de um matagal que emendava com a mata do Zoológico.

Posso dizer, com certeza, que as rodinhas que tenho nos pés herdei do meu pai. Ele se foi, velhinho, aos 91. No começo dos anos 1980, quando resolvi trocar São Paulo pelo Nordeste, me sentia uma desbravadora. Com o passar dos anos via que meu pai, que tinha atravessado o oceano, só com o irmão, e tinha vindo bater numa terra estranha, de língua diferente, é que era o verdadeiro corajoso da história.

Passei a me entender com ele muito tarde. Tínhamos 43 anos de diferença e ele era o japonês típico, rígido demais. Mas foi muto bom, mesmo que tardio, porque percebia o quanto ele confiava em mim. Meus irmãos, acho que mais por temor do que por respeito, só bebiam e fumavam na rua. Eu era a única que bebia cerveja dentro da casa do velho. Sempre que chegava para uma visita, ele tinha comprado umas latas pra mim. Ia buscar duas na geladeira, colocava uma na minha na minha frente e bebia a outra. Ficávamos ali tomando a cervejinha, sem falar muito, mas com uma certa cumplicidade.

Penso nele com muito carinho. Tinha lá seus preconceitos, como a maioria dos imigrantes do seu tempo, e infelizmente conseguiu passá-los para a maioria dos filhos, mas prefiro guardar dele a lembrança de uma pessoa que não conseguia enxergar maldade em ninguém. Esse era o “seu” Miura.

4 comentários:

Suely disse...

Que texto lindo! E que imagem bela de um pai... Beijo!

Patty Diphusa disse...

Lindo. Saudações ao seu Miura e à filha que ele criou.

bjs

Anônimo disse...

oi, reiko.

vc realmente faz a diferenca.

bj do amigo, JorgeLG.

Anônimo disse...

Kerida Reikinho...

Sempre surpreendido com as suas postagens reikamente especiais.
Sempre que a saudade de você bate forte, me refastelo com o seu perfume de pequi... Apesar de nos vermos muito pouco, meu amor e carinho por você continuam os mesmos.
Tenho estado com mais freqüência no "rincão da Carmen". Só pra informá-la, estou prestes a mudar-me para Natal. Antes de Natal, pretendo estacionar temporariamente na praia da Pipa pra constatar defitivamente que surfar não é mesmo a minha praia... rs
Obrigado por você existir, guria! Beijos acajuzados