quarta-feira, 30 de junho de 2010

Kabengele Munanga fala de Kabengele Munanga


O professor Kabengele vai completar 70 anos no próximo dia 2 de julho e os amigos preparam uma festa pra essa figura tão respeitada pelas suas idéias e humildade. Na foto, ele aparece ladeado por Flávio Jorge e Matilde Ribeiro. O texto abaixo é de autoria do próprio Kabengele:

"Tem imigrante voluntário, que quer mudar a vida, quer viver num outro continente, num outro país. Tem imigrante que por motivos políticos ou sociais teve que abandonar suas terras em busca de sobrevivência. São dois tipos de imigrantes, mas cada um tem uma dificuldade, dependendo da história de vida dele, da formação, alguns têm dificuldades de integração, outros têm menos. Qualquer lugar do mundo onde você vai, você tem que fazer um esforço para se integrar e para ser integrado. Um país tem também seus preconceitos internos - como o problema de preconceito racial que existe no Brasil - preconceitos regionais como se tem em relação aos nordestinos e a primeira coisa que você tem que fazer, mesmo mantendo contato e vínculo com sua cultura-mãe, com sua história que você não pode perder - porque são raízes de seus filhos que você não pode perder - tem que fazer um esforço de integração, de adaptação à nova sociedade na qual você foi recebido.

Eu me assumi como intelectual engajado, porque essa sociedade me recebeu, me integrou. Tento manter minhas raízes, não posso perdê-las. Hoje tenho novas raízes, tanto que tenho um filho brasileiro. Faz parte da minha vida, da minha história.

Todo imigrante tem que fazer um duplo esforço, por um lado para não esquecer suas raízes, suas histórias. Seus netos e bisnetos vão querer saber onde está a outra parte da história da família. É possível preservar, por isso o trabalho do Museu da Pessoa me deixou apaixonado. Tem gente que não tem nem documento, nem foto, nem nada. Os filhos, os netos e bisnetos que quiserem saber alguma coisa, não encontrarão nada. Às vezes, os descendentes não sabem de mais nada, isso é muito triste.

É preciso amor por sua terra e pela terra que te recebeu, mesmo que essa terra tenha seus problemas. No meu caso, cheguei aqui com uma bolsa de estudos do governo brasileiro. Essa bolsa de estudos veio do povo brasileiro. O povo brasileiro, na realidade, pagou parte de meus estudos, isso é uma coisa que de alguma forma eu tenho que devolver. Todos esses anos trabalhando na Universidade de São Paulo, formando pessoas. Já formei 15 doutores e 5 mestres. Nem por isso perdi o contato do que acontece do outro lado, acompanho o que acontece no Zaire. Se um dia tiver oportunidade, mesmo vivendo aqui, ser útil para o desenvolvimento daquele país. Tenho parentes, tenho sobrinhos, sobrinhos, netos, irmãos, tios, tias, um pedaço da minha vida que não posso esquecer."

3 comentários:

Suely disse...

A diáspora africana... meu filho, Júlio, vai estudar esse tema em 2011 na Carolina do Norte. Esse texto é um presente. Obrigada!

Reiko Miura disse...

Aguarde. Matilde está editando uma entrevista feita com o professor. Vai ser publicado pela EFPA.
E por falar em diáspora, dois autores fundamentais: Nei Lopes = Enciclopédia brasileira da diáspora africana e Milton Guran = Agudas: Os brasileiros do Benin (Nova Fronteira).
O Guran é meu compadre, antropólogo, fotógrafo. Tem um texto dele em
bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/aladaa/guran.rtf

Suely disse...

Gracias, amiga Andarilha! Um abraço.