Por Cláudio Fragata // Fotos Antônio Rodigues
Natural de Piracicaba,
interior de São Paulo, o
historiador Ricardo Frota
de Albuquerque Maranhão é um
apaixonado pela gastronomia.
Formado em história e ciências
sociais pela USP-Universidade de
São Paulo ("As duas carreiras são
complementares e necessárias",
diz), a paixão surgiu por acaso,
quando conheceu professores
versados no assunto durante um
congresso na França, em 1998. De
volta ao Brasil, trocou a história
da energia, sua especialidade até
então, pela história da alimentação.
Nascia assim o primeiro professor
dessa disciplina no país. Em 1999,
participou da criação do pioneiro
Curso Superior de Tecnologia em
Gastronomia, da Universidade
Anhembi Morumbi, de São Paulo,
onde hoje, além de dar aulas,
coordena o Centro de Pesquisas
em Gastronomia Brasileira, que,
entre outras atividades, promove
o estudo de pratos e ingredientes
de nossa culinária. Autor prolífico
- escreveu 22 livros -, Ricardo
pretende se dedicar mais à literatura
gastronômica nos próximos anos,
mas já publicou obras fundamentais
como Árabes no Brasil, História e
Sabor (Editora Gaia/ Boccato, São
Paulo, 2010) e O Frango, História e
Gastronomia (Usina da Edição, São
Paulo, 2011). Perdeu a conta do
número de artigos que produziu
para revistas especializadas e
de palestras que deu não só no
Brasil como em universidades da
França, Canadá, Holanda, México,
Cuba e Alemanha. Embora seja
fascinado pela cozinha brasileira,
seu coração também oscila entre a
culinária chinesa e a francesa. Não
se arrepende da escolha que fez e
garante que, acima das culinárias,
está seu amor pela alimentação:
"Ninguém precisa ser marxista
para perceber que a base de tudo é a
busca por alimento."
Como chegou à história da alimentação?
Meu doutorado foi dentro da
história da energia e trabalhei
focado nesse tema durante muitos
anos. Até que me inscrevi na
Associação Francesa para a história
da eletricidade, ligada ao grupo EDF
(companhia de energia elétrica da
França). No segundo congresso do
qual participei, conheci professores
que sabiam tudo sobre a história
da alimentação e tinham livros
publicados sobre o assunto. Há
dez anos, não havia no Brasil uma
bibliografia significativa nessa
área, além dos livros de Câmara
Cascudo e de Gilberto Freyre.
Esses professores franceses me
abriram um mundo novo e fui me
interessando cada vez mais por ele.
A ponto de se tornar professor de história da alimentação...
Exatamente, mas foi uma grande
coincidência. Após um ano
estudando o assunto por conta
própria, surgiu em São Paulo, em
1999, o primeiro curso superior
de gastronomia do Brasil, na
Universidade Anhembi Morumbi,
e fui convidado para dar aulas.
Sou o primeiro professor de
História da Alimentação, tanto
que fui chamado para dar aulas
também na FMU-Faculdades
Metropolitanas Unidas e no
Senac de Águas de São Pedro e de
Campos do Jordão. Eu criei essa
disciplina no Brasil. Hoje me dedico
apenas ao curso da Anhembi
Morumbi, onde criamos o Centro
de Pesquisas em Gastronomia
Brasileira. Tenho ali um apoio
institucional para a pesquisa que é
uma beleza.
Quantos livros de gastronomia já escreveu?
Escrevo livros há muito tempo
e a maioria é sobre história do
Brasil. Na área da culinária,
publiquei, em 2010, Árabes no
Brasil, História e Sabor, e, no
final do ano passado, lancei O
Frango, História e Gastronomia.
Escrevi também, em 2008, um
capitulo do livro Churrasco: Uma
Paixão Nacional, a convite do
chef André Boccato. Daqui para
diante vou publicar mais livros
de gastronomia porque venho
acumulando muito conhecimento
nos últimos anos.
Já se pode falar em uma culinária brasileira?
Temos várias cozinhas regionais
e uma culinária nacional em
processo de constituição. Como se
formaram as culinárias nacionais
mais importantes, como a francesa
ou a italiana? Sempre a partir da
regional! Houve um momento, na
segunda metade do século 19, em
que a própria construção de um Estado
liberal democrático e a noção
de cidadania exigiram que todos os
cidadãos fossem reconhecidos como
iguais, como válidos, e, portanto,
sua cultura também. É quando os
compositores eruditos começam a
transformar cançonetas populares
em sinfonias e surgem artistas
plásticos retratando o povo etc. A
gastronomia também passou por
esse processo, foram buscar as culinárias
regionais para melhorar o
cardápio dos grandes restaurantes
de Paris e constituiu-se assim uma
culinária francesa. Pouco mais
tarde, aconteceu o mesmo na Itália,
apesar das idiossincrasias regionais.
Percebeu-se que, do ponto de
vista econômico, era interessante
constituir uma culinária nacional
porque ela permitia uma associação
com as políticas econômicas de
Estado, de exportação e de importação.
A renda da França com vinhos,
manteigas e queijos é uma coisa
fantástica. O Brasil está passando
por essa fase agora.
Qual a razão do nosso atraso?
Devemos isso à Corte
portuguesa, que veio para o Brasil
e sufocou essa tendência normal de
formação de uma cozinha nacional.
Nossas culinárias regionais foram
subjugadas pela culinária francesa
que ela trouxe para cá. Não era
só a rainha Carlota Joaquina que
odiava a cozinha nacional. Todos
aqueles 15 mil aristocratas vindos
com a Família Real também não
gostavam, só queriam saber da
culinária francesa. Evidentemente,
os fazendeiros brasileiros que
almejavam a nobreza, e ganharam
títulos de barão de não sei quê,
imitavam a Corte. Não existe em
nenhum arquivo histórico deste
país um cardápio daquela época
que não seja escrito em francês. Até
a Primeira República, o menu das
elites era francês.
Entre as diversas cozinhas
regionais brasileiras, qual a
sua preferida?
Uma das que mais prezo, até por
regionalismo pessoal, é a mineirapaulista,
que todos chamam
apenas de mineira, porque foram os
mineiros que fizeram o patrimônio
dessa cozinha. Na verdade, foram
os paulistas que levaram, na época
do ouro, essa comida para lá e ela
foi se desenvolvendo. Eu a considero
uma culinária muito sofisticada.
Só não é mais sofisticada do que a
baiana. Refiro-me à cozinha baiana
do Recôncavo, a de Salvador, não
a da Bahia como um todo, que
já é outra coisa. O vatapá é um
prato chiquérrimo, elegantíssimo,
sua técnica e a variedade de
ingredientes são uma coisa incrível.
Eu considero as duas melhores
culinárias brasileiras.
Existe uma culinária paulista?
Culturalmente não. Porque a
cultura paulista abandonou a sua
história. É uma coisa característica
de São Paulo e muito diferente
de qualquer outro Estado. No
Maranhão, no Rio Grande do Sul,
em Pernambuco, todos têm orgulho
da sua história, de seus heróis e
da sua comida. Mas o paulista se
esqueceu de sua história, ela virou
uma bruma para o paulista médio.
Na verdade, com a imigração houve
um desvio de atenção muito grande
em relação ao que existia antes, em
termos de tradição. Sobretudo em
relação à cozinha colonial. Acho
ótimo que os italianos tenham
trazido seu macarrão, os alemães
suas salsichas e cervejas, isso tudo
é muito bom, mas seguramente
diluiu um pouco a importância do
que havia antes. Além disso, há
essa mística paulista de ir sempre
para frente, em direção ao futuro.
São Paulo é a cidade que mais
cresce no mundo!
Como se para alcançar o futuro
fosse necessário apagar o
passado?
Exatamente. "Vamos logo
derrubar essas mansões da
avenida Paulista e fazer belíssimos
edifícios!" Essa é a mentalidade,
que também despreza a tradição
culinária. Mas eu defendo a cozinha
paulista do interior. Acrescentemos
a ela a pizza e o macarrão... (risos)
Seria por isso que a cidade de
São Paulo não tem restaurante
especializado em cozinha
paulista?
Só teve um e não foi pra frente.
Chamava-se São Paulo I e ficava
na entrada do shopping Eldorado.
Muito bom por sinal, mas não
pegou. Ninguém assume essa
vanguarda. É uma culinária que
pode ser muito bem feita, essa
comida interiorana, boa, que
hoje se encontra mais no Vale do
Paraíba e no oeste do Estado.
Que produto brasileiro pode
ter projeção internacional?
Um que já tem, e que pode
ser muito bom quando bem feito,
é a feijoada. Ela realmente já é
internacional, já tem esse prestígio,
isso é indiscutível. Mas já estão
começando a aparecer os produtos
que irão constituir a culinária
nacional, pratos que estão saindo de
suas regiões e que começam a ser
feitos em outros Estados. É o caso do
churrasco, que era gaúcho e agora
é nacional. O mesmo já acontece
com o acarajé, que é baiano, mas
aqui em São Paulo já tem em vários
lugares. O virado à paulista está
começando a ser feito em outros
Estados, porque é muito prático,
ideal para um almoço executivo;
não é comida de fim de semana, é
para o meio da semana. O pessoal
também está aprendendo a fazer
o frango com quiabo mineiro.
Engraçado que não existia esse
prato na Bahia, que é um lugar que
tem bastante quiabo, mas agora
perceberam que é bom.
O frango com quiabo mineiro
tem chance de virar um prato
nacional?
Ah, não tenho dúvida. Assim
como o vatapá está virando. Eu
até incluí a receita de vatapá de
frango em meu livro e, no dia do
lançamento, o servimos na forma
de finger food durante o coquetel.
O que faz um prato regional
entrar para o cardápio
nacional?
Quando os restaurantes servem
comidas de outras regiões e esses
pratos começam a se reproduzir,
é a aí que a culinária se constitui.
Foi o que aconteceu com a carne
seca. Antes era um produto típico
do Nordeste e do Rio Grande do Sul.
Agora é um prato comum em São
Paulo, onde até canapés de carne
seca são servidos em coquetéis.
Então eu acho que é um produto
que já está entrando nessa pauta da
culinária nacional. Veja o caso da
casquinha de siri. Ela é cultivada
há mais tempo no Nordeste, mas
em todo lugar tem siri. Hoje é
consumida no Brasil inteiro. Sabe
onde eu comi a melhor casquinha
de siri da minha vida? Em Porto
Alegre! Tem muito lá na Lagoa dos
Patos, uma lagoa salobra, que é a
melhor coisa para caranguejo e siri.
Adaptações em receitas
tradicionais fazem parte do
processo de constituição de
uma culinária?
Existe uma corrente de chefs
mais ortodoxa que prega: "Nós
temos que resgatar a maneira
como a Dona Fifinha, do Sertão
do Ceará, fazia o seu jabá." A
Mara Salles é um exemplo disso,
embora ela modifique e aperfeiçoe
as receitas, para que a comida se
torne mais apresentável do ponto
de vista estético e comercial, mas
ela preza muito a maneira original,
tradicional. Agora existem outros
que também pesquisam a cozinha
brasileira, mas que se propõem a
torná-la factível. Talvez a maneira
como a Dona Fifinha preparava o
seu jabá seja muito difícil, porque
você não tem fogão a lenha e outros
itens necessários para isso. Então
a reinvenção é mais comum. Às
vezes acontece naturalmente
porque a pessoa vem lá do Ceará,
chega aqui e não tem as mesmas
panelas, os mesmos ingredientes,
então ela inventa. Além disso, o
brasileiro é muito versátil, tanto
que prepara com facilidade as
coisas estrangeiras. Quem não sabe
fazer quibe, esfirra, estrogonofe,
pizza, todas essas coisas que os
imigrantes trouxeram? Nós temos
muito disso, incorporamos muito
fácil. Assim, fazer a reinvenção dos
pratos originais é moleza...
A reinvenção faz parte de
qualquer gastronomia?
É complicado responder isso
porque alguns lugares são muito
tradicionalistas. Imagino que se
alguém chegar para um alemão da
Prússia e fizer diferente o chucrute
com linguiça, o sujeito vai ficar
muito bravo. As culinárias mais
ricas e tradicionais não têm essa
preocupação como nós temos, a
de reinventar. Os chineses, por
exemplo, têm pratos típicos que vão
desde as montanhas geladas do
norte aos pântanos tropicais do sul,
quer dizer, têm de tudo. Essa imensa
variedade permite a eles manter as
tradições. Não precisam reinventar
na medida em que têm
sempre alguma outra opção.
Entretanto, acredito que
a reinvenção é um dado
fundamental para que as
cozinhas se tornem
melhores. A cozinha inglesa
do século 19 definiuse a partir
de um padrão ruim e foi um
processo consciente. Existe um
livro de grande sucesso na época,
chamado Uma Cozinha Econômica
Para as Classes Trabalhadoras, que
retrata isso. Eu tenho esse livro
em casa e as receitas são uma
porcaria (risos). Para se fazer uma
cozinha mais econômica, tudo ali
foi reduzido. A culinária moderna
inglesa melhorou muito, mas antes
tiveram 200 anos dessa coisa.
Qual é a sua culinária
internacional preferida?
São duas, a chinesa e a francesa.
A primeira tem uma grande
habilidade no uso de vegetais junto
com as carnes. Essa noção yin-yang
que eles têm começou no século
4 a.C. É a sabedoria do equilíbrio,
dos princípios ativos da vida,
então qualquer região chinesa tem
pratos muito equilibrados. Quando
existe uma tendência muito yang,
uma carne de porco temperada,
por exemplo, é contrabalançada
com legumes bem leves, mais
yin. O tempo todo eles fazem esse
equilíbrio. Outra coisa é a maneira
como eles preparam os peixes,
sempre valorizando o ingrediente
sem excesso de temperos. Puxa,
eles fazem isso há 3 mil anos,
prezam a pureza, o sabor original
dos alimentos, uma coisa que a
Nouvelle Cuisine francesa adotou
só nas últimas décadas. Os chineses
não põem sal no peixe, apenas um
pouco de shoyu na hora de comer.
Eles têm pequenas maravilhas
tradicionais, como o camarão ao
gengibre. Deus, é uma coisa tão
boa! Não sei por que os restaurantes
chineses daqui não fazem.
O que destacaria da culinária
francesa?
De imediato, sem muito esforço,
o uso privilegiado de aspargos é
uma coisa impressionar. Eu me
lembro de quando comi na casa de
um dos historiadores que conheci
no congresso de Paris. A entrada
tinha uns aspargos que eram uma
coisa de louco, com seis molhos
diferentes. Foi inesquecível. Além
disso, gosto muito da maneira que
os franceses fazem os assados. Para
cada tipo eles têm um preparo
diferente. O churrasco francês
também é muito bom, compete
com o gaúcho. E gosto dessa coisa
interminável, que é a quantidade de
saladas que eles fazem.
Os brasileiros já se
envergonham menos da
culinária brasileira?
Por enquanto, só uma elite
mais bem informada, que está
começando a ter uma visão positiva
da culinária brasileira graças a
esse movimento de renovação que
começou há algumas décadas.
Mas, do ponto de vista do público
médio, a melhor cozinha ainda é
a estrangeira. Isso é uma luta, um
trabalho de divulgação que demora.
Todo hábito culinário demora a se
estabelecer tanto quanto demora
a desaparecer. A única coisa que
desapareceu depressa foi o coquetel
de camarão (risos).
Gastronomia é coisa de elite?
Essa ideia surgiu na imprensa
brasileira. Os antigos críticos eram
acima de tudo homens simpáticos,
que iam aos restaurantes mais caros
e sofisticados, os donos serviam suas
melhores iguarias e eles escreviam
a respeito. Penso que a palavra
"gastronomia" ficou restrita a esse
mundinho, como sinônimo de
restaurante chique, então o leitor
também passou a achar isso. Na
verdade, o uso tradicional do termo
gastronomia se refere à comida
como um todo, de todas as classes,
de todo o mundo. Esse era o sentido
da palavra para Jean Anthelme
Brillat-Savarin, como também
para os outros que escreveram a
respeito no século 19. Gastronomia
é uma coisa muito mais ampla.
Aqui a palavra se desviou do
sentido original. Com as escolas de
gastronomia pudemos consertar
esse desvio e voltar a chamar de
gastronomia tudo o que diz respeito
ao homem quando ele come, que é a
definição de Brillat-Savarin.
Em que medida a culinária
árabe influenciou a brasileira?
Há duas influências diferentes:
uma que é milenar, que vem de
quando os árabes entraram na
Península Ibérica. Eles tinham uma
grande capacidade de absorção dos
melhores costumes dos lugares
por onde passavam e dominavam.
Então de uma culinária
basicamente simples, de homens
do deserto, eles incorporaram a
riquíssima culinária persa, logo no
início da expansão muçulmana,
depois as culinárias do Egito e
do norte da África, e chegaram à
Península Ibérica com esse cabedal.
Encontraram lá uma culinária
que já tinha sofrido a influência
dos romanos, daquelas comidas
bem temperadas, perfumadas,
todas essas coisas que o português
passou a gostar. E os portugueses
nos trouxeram isso. Então é uma
influência árabe antiga que vem
via Portugal. Além dessa, tem a
influência do imigrante árabe, no
final do século 19, que é essa do
quibe e da esfirra.
Em que região do Brasil essa
influência foi maior?
No Brasil inteiro. Na Bahia,
por exemplo, tem muito árabe e
uma influência bastante presente.
O árabe tinha muita facilidade
de comunicação, até por ser um
bom comerciante. Eu tenho uma
experiência pessoal: minha mãe
era vizinha de uma mulher árabe
e surgiu aquela coisa de conversar
por cima do muro do quintal. Em
pouquíssimo tempo, minha mãe
aprendeu muitas coisas da deliciosa
cozinha árabe. Além do quibe e da
esfirra, aprendeu a fazer charuto de
folha de uva ou de repolho, kafta,
homus... Na verdade se o japonês
fosse menos tímido, todo mundo
aprenderia a fazer sushi (risos).
Seu novo livro é um tratado
sobre o frango, um alimento
que está na mesa de todas as
classes sociais...
Quando a gente se preocupa
com alimentação, todos os
extratos são importantes. Existe a
necessidade política e cultural de se
falar da comida cotidiana. Devemos
lutar para que o homem comum
coma sempre o melhor possível
todos os dias. Isso é uma meta
inexorável de um bom gastrônomo,
de alguém que trabalha com
gastronomia, de alguém que dá
aula sobre isso. Eu quero que todo
brasileiro coma muito bem todos
os dias. Então é essa a proposta
de O Frango, História e Gastronomia.
Primeiro mostro que é algo
realmente milenar, universal, o
que é interessante, porque a maior
parte das pessoas não sabe disso
e nem que essa ave descende do
dinossauro. Além disso, incluí uma
série de receitas muito tradicionais
em suas regiões e que muitas vezes
as pessoas não sabem fazer e são
ótimas. No Brasil se faz mil tipos
de frango, mas agora vamos fazer
2 mil (risos)! Eu e o chef Paulo
Machado, que executou os pratos,
refugiamo-nos em uma fazenda e
fizemos 35 tipos de frangos, para
testar as receitas.
O frango chegou aqui com os
portugueses, não?
É o único contato cultural de
um alimento que tem data exata,
que é o dia 28 de abril de 1500,
quando Cabral mostra a galinha
para os índios e eles levam o
maior susto (risos). Embora os
índios não comessem galinha até
recentemente, eles usavam os
ovos. Mas agora já existem várias
receitas indígenas com frango.
Uma delas está lá no livro, feita
pelas crianças indígenas do Alto
Rio Negro. É um frango grelhado
com batata doce, abóbora e
mandioca cozida. Uma delícia!
E a culinária japonesa já deu
sua contribuição ou apenas
convive com a culinária
brasileira?
Acredito que é apenas uma
convivência de restaurantes. Não
vejo brasileiros fazendo comida
japonesa em casa. Já poderiam
fazer, mas isso não acontece. Não
conheço ninguém que faça sushi
em casa. O que eu tenho visto, no
máximo, é alguém jogar legumes
no macarrão e dizer que está
fazendo yakisoba (risos). Então
acho que a influência se limita
aos restaurantes, tanto que já tem
mais restaurante japonês do que
italiano.
São Paulo continua a ser
a capital gastronômica do
Brasil?
Sem dúvida, porque tudo
rebate aqui. Quem procura
encontra em São Paulo tudo o
que se come no Brasil. Só não
encontrei até hoje onde se come
babaçu e, naturalmente, os peixes
da Amazônia. Aliás, os peixes de
rio desapareceram de São Paulo.
Os paulistas acabaram com os
rios, não é? No entanto, no século
19, era rotina popular comer
peixe. Existe até uma charge do
caricaturista Angelo Agostini,
em uma revista de mil oitocentos
e pouco, que tira um sarro dos
paulistanos falando que em São
Paulo a única coisa que tinha para
comer era lambari com chuchu.
Mas o peixe de água doce sumiu
da dieta dos paulistanos. Desde
os anos 40, todos os rios piscosos
foram desaparecendo.