terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Evocação do Recife, por Manoel Bandeira
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Anúncios de bonde e rótulos de cachaça no Tomie Ohtake
Bondes - o Atleier Mirga era contratado pela Companhia de Annuncios em Bonds, que era responsável pela veiculação dos "anúncios".
Cachaças - os rótulos são das coleções do pesquisador carioca e curador da mostra Egeu Laus e também do acervo da Fundação Joaquim Nabuco.
Exposições "Veja Ilustre Passageiro: O Atelier Mirga e os Cartazes de Bonde" e "Caprichosamente Engarrafada: rótulos de cachaça"
Quando: de 10/2 a 10/4/2011
Onde: Instituto Tomie Ohtake (Avenida Brigadeiro Faria Lima, 201 (Entrada pela Rua Coropés), Pinheiros, tel. 2245-1900) - De terça a domingo, das 11h às 20h
Entrada: Grátis
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Comprar, descartar, comprar. A obsolescência planejada
Baterias que "morrem" em 18 meses de uso; impressoras bloqueadas ao alcançar um determinado número de impressões; lâmpadas que derretem às mil horas... Por que, apesar dos avanços em tecnologia, os produtos de consumo duram cada vez menos?
Filmado na Catalunha, França, Alemanha, Estados Unidos e Gana, “Comprar, descartar, comprar” faz uma viagem através da história de uma prática empresarial que consiste na redução deliberada da vida útil de um produto, para aumentar o seu consumo pois, como publicado em 1928 em uma influente revista de publicidade estadunidense, “um artigo que não se deteriora é uma tragédia para os negócios."
O documentário, dirigido por Cosima Dannoritzer e co-produzido pela TV espanhola, é o resultado de três anos de pesquisa; faz uso de imagens de arquivo pouco conhecido, fornece provas documentais e mostra as desastrosas conseqüências ambientais decorrentes dessa prática. Também apresenta vários exemplos do espírito de resistência que está crescendo entre os consumidores, e inclui a análise e opinião de economistas, designers e intelectuais que propõem alternativas para salvar a economia e o meio ambiente.
Uma “luz” na origem da obsolescência planejada
Tomas Edison fez a sua primeira lâmpada em 1881. Durou 1.500 horas. Em 1911, um anúncio na imprensa espanhola destacou os benefícios de uma marca de lâmpadas com um certificado de duração de 2.500 horas. Mas, como foi revelado no documentário, em 1924 um cartel que reunia os principais fabricantes na Europa e os Estados Unidos negociaram para limitar a vida útil de uma lâmpada elétrica à 1.000 horas. O cartel foi chamado “Phoebus” e, oficialmente, nunca existiu, mas, em “Comprar, descartar, comprar” é mostrado o ponto de partida de obsolescência planejada, que hoje é aplicado a produtos eletrônicos de última geração, como impressoras e iPods, e aplicada também na indústria têxtil.
Consumidores rebeldes na era da Internet
Ao longo da história do “vencimento previsto”, o filme descreve um período da história da economia nos últimos cem anos e mostra um fato interessante: a mudança de atitude nos consumidores, através do uso de redes sociais e da Internet. O caso dos irmãos Neistat, do programador de computador Vitaly Kiselev, e do catalão Marcos López demonstram isso.
África, aterro eletrônico do Primeiro Mundo
Este uso e descarte constantes têm graves conseqüências ambientais. Como vemos nesta pesquisa, países como o Gana estão se tornando a lixeira eletrônica do Primeiro Mundo. Até então, periodicamente, centenas de containers chegam cheios de resíduos, sob o rótulo de "material de segunda mão", e, eventualmente, tomar o lugar de rios ou campos onde as crianças brincam.
Além da denúncia, o documentário dá visibilidade aos empresários que implementam novos modelos de negócio, e ouvem as alternativas propostas por intelectuais como Serge Latouche, que fala sobre empreender a revolução do “decrescimento”, a redução do consumo e a produção para economizar tempo e desenvolver outras formas de riqueza, como a amizade ou o conhecimento, que não se esgotam ao usá-los.
Para ver o documentário clique “Comprar, descartar, comprar”
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
As mulheres fortes do PT
Uma homenagem à Caneca
Por Nonô Nolêto
Na história do PT vimos sempre a participação de muitas mulheres - jovens, adultas, idosas - participando de todos os seus momentos de lutas, de vitórias, de derrotas e de muita utopia. No PT, homens e mulheres iniciaram uma nova forma de tratamento e começaram a se chamar de companheiros. Vivi esses primeiros momentos e me sentia muito importante, valorizada e até emocionada quando ouvia me chamarem de "companheira". Com o tempo, isso foi ficando normal e tornou-se parte de nosso vocabulário, de nossa rotina de caminhada. Homens e mulheres - companheiros e companheiras - construindo, juntos, uma nova história para o Brasil.
Também era comum as companheiras levarem seus filhos pequenos pras reuniões, porque não tinham com quem deixá-los. Mas, no PT, mesmo criando algumas dificuldades pelos obstáculos provocados em um ou outro momento e mesmo os cuidados que requerem, todas as crianças eram também recebidas com carinho e com respeito. E foi assim que naturalmente fomos formando, também, não só um número maior de mulheres políticas como também de jovens políticas. Novas lideranças foram formadas muito cedo no PT. Como costuma me dizer a Marina Sant' Anna, brincando, sobre a participação de meu filho Olavo, muito jovem ainda, na política: "Esse menino ficava todo o tempo correndo e pisando nos pés da gente".
Há muitos anos, fiquei também indignada e não escrevi nada sobre uma situação que foi explorada pela mídia nacional: a situação das primeiras-damas de todo o País e o nepotismo na política.
Nessa época, então - por volta do ano 2001 - pegaram para cristo - ou seja, crucificar - a primeira-dama de Goiânia, Maria Tereza Canezim Guimarães, esposa do prefeito Pedro Wilson Guimarães - a nossa querida companheira carinhosamente apelidada de "Caneca" pelos que conviveram com ela ainda nos tempos de estudante.
Caneca era companheira de Pedro Wilson também na elaboração política, nos estudos e na construção de um novo projeto político para Goiânia. Não aceitou ficar apenas ao lado. Caminhou junto. Tinha acúmulo de estudos e de experiência que a permitiam participar ativamente como uma companheira de lutas e não apenas primeira-dama. Aliás, ela nunca aceitou esse papel e o questionava sempre, porque acredita que as pessoas elegem o presidente, o governador, o prefeito e os seus vices, mas nunca as suas mulheres. Não existe esse cargo ou função política pública de "Primeira-Dama". Assim como hoje, Dilma não tem o seu "Primeiro-Cavalheiro".
Caneca, também uma Doutora (aliás, ela era e é muito mais que uma simples doutora - e nem sei mesmo quais e o tamanho da quantidade de cursos e especialidades que acumula -, é orientadora de doutorandos na Universidade Federal de Goiás), como "Dona" Ruth, ex-primeira-dama de Fernando Henrique Cardoso. Mas, ao contrário daquela, que submeteu-se a trabalhar apenas na área social da política, Caneca ousou trabalhar em uma outra área da administração municipal, na gestão de seu marido. Abriu mão das vantagens do cargo de "Primeira-Dama", onde poderia contar com os serviços de um motorista exclusivo, um carro, uma sala, um cargo de Presidente da Sociedade Cidadão 2.000 - uma OVG se o caso fosse em nível estadual -; um monte de secretárias com ar condicionado, telefones etc.
Caneca quis contribuir com o que sabia fazer melhor: planejar. É uma expert nessa área. Caneca nunca apareceu com modelitos de costureiros famosos e nem mesmo trocou o modelo do corte de cabelo, que mantém há décadas. Linda, simples mas naturalmente elegante, e sábia como poucas mulheres e homens conseguem ser, Caneca trabalhava diuturnamente como Assessora de Planejamento no Governo de seu marido. Conseguiu reunir os mais bem preparados pensadores que apoiavam a gestão de Pedro Wilson e os liderou num estudo que resultou num espetacular projeto de ação integrada, dividindo e unificando todos os setores da administração municipal de Goiânia à época. Um trabalho exemplar.
Não tinha carro por conta, nem secretárias, telefones etc; o seu salário era menor do que poderia ser se assumisse como presidenta da área social da Prefeitura. Caneca era a mais discreta figura de todo o governo municipal e de todas as histórias de primeiras-damas que conheci em meus mais de 36 anos de exercício do jornalismo. Mas a grande imprensa - e nem e média ou a nossa imprensa regional que a conhecia muito bem - não a perdoou por ser uma mulher inteligente e que não se subjugava aos velhos conceitos. Execrou-a publicamente em todo o País. Colocou-a numa posição de mera oportunista e aproveitadora de uma prática nepotista de seu marido. A campanha de difamação foi de tamanha envergadura, misturando-a a outros casos de reais nepotistas, que Caneca - a grande e humilde sábia - preferiu desistir e entregar o seu cargo, para não prejudicar o trabalho de seu companheiro de vida e de lutas; para não prejudicar todos os outros companheiros e comp anheiras.
Entregou o cargo mas não deixou que colocassem a sua cabeça na guilhotina.
Caneca renunciou a uma participação formal no governo, para continuar colaborando como anônima companheira, mas de cabeça erguida, como uma grande dama que sempre foi e será.
Minha líder.
Viva a Caneca!
Viva a Mariza Letícia!
Viva todas as mulheres companheiras de luta e de sonhos!
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Lélia Abramo 100 anos
Lélia Abramo vai ser homenageada no dia 8/2, às 19hs, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, centro de São Paulo. No dia 6 ela completaria 100 anos de idade. Lélia foi uma ativa militante política e atriz teatral que faleceu em 2004. A homenagem é iniciativa da Funarte, com apoio da Fundação Perseu Abramo. E foi pela Editora da Fundação que Lélia publicou a autobiografia "Vida e Arte - Memórias de Lélia Abramo" , livro que registra sua trajetória de vida pessoal, política e artística. Um livro super sensível, mas que está esgotado.
Na homenagem a Lélia, amigos, parentes e companheiros de luta durante o período da ditadura farão leituras e darão depoimentos sobre ela. Estão confirmados Ana de Hollanda, ministra da Cultura, Sérgio Mamberti, Tadeu di Pietro, Roberto Ascar, Zé Renato , Chico de Assis, Alessandro Azevedo, Silvana Abramo, Pedro Tierra, Antonio Grassi, entre outros.
Roteiro/programa da atividade cultural
Abertura, por Tadeu di Pietro
Vídeo de imagens selecionadas de Lélia
Música
Poesia de Maiakovski
Trecho do livro Vida e Arte - Memórias de Lélia Abramo
Fala de convidados
2º Bloco
Poesia de Maiakovsk
Trecho do livro Vida e Arte - Memórias de Lélia Abramo
Fala de convidados
3º Bloco
Poesia de Maiakovski
Trecho do livro Vida e Arte - Memórias de Lélia Abramo
Fala de convidados
4º Bloco
Cena “Rosa Vermelha", pelo Núcleo 184
Fala da Ministra Ana de Hollanda - MinC
Música com o Coro Luther King - Peça "Bella Ciao"
Serviço:
Centenário Lélia Abramo
8 de fevereiro de 2011 – terça, a partir das 19:00h
Teatro de Arena Eugênio Kusnet
Rua Dr. Teodoro Baima, 94 – República
Telefone: (11) 3256-9463
Mais informações sobre a homenagem: contatar Fábio Abramo (fone 11-7504 4861) ou Tadeu di Pietro (11-9943.7713 /11-8278.5577).
Se é que Deus vai atender a porta
De Reynaldo Jardim, jornalista e poeta que foi falar com Deus na semana passada:
"Se eu quiser falar com Deus, tenho que abaixar a crista, tenho que seguir à risca o que o Gil nos ensinou (...) Quando chegar minha vez, tenho que soltar o grito. Pois daqui ao infinito, Deus não vai me escutar. Ele está ficando surdo, já não enxerga direito. Contragosto e contrafeito com o mundo que criou. Tenho que levar presentes, minha alma, meu delírio, a luz acesa de um círio, que ele está na escuridão. Se eu quiser, mas eu não quero, que esse Deus é prepotente. Ele é onipresente, só não está onde estou. Se quiser falar comigo, não atendo o celular. Não deixo a mesa do bar, que esse chope está demais. Eu só vou falar com Deus, quando ele matar a fome dessa criança sem nome, que não pára de chorar. Quando ele descer do céu e vir que cada menino, sem presente, sem destino, precisa de um beijo seu".